7 de agosto de 2012

Sem sombras



I – Espelho Plano

Você fica estático
E olha aquela pessoa
Confrontando seu olhar.

É só você e o tempo
E aquela pessoa
Confrontando seu olhar.

Você a odeia
Quer destruí-la
Admira seu olhar.

É seu maior inimigo
Princípio e fim
Odeia seu olhar.

Você não sabe quem é
Quer descobrir
É tão diferente
De como você gostaria.

É dona de seu mundo
É intocável e cruel
Desaparece quando
Você se vira.

Sorri quando não quer
Chora e fica horrorosa
É alguém que não se entende
É simples e medrosa.

É um mundo à parte
Naquele outro lado de lá
E aquela pessoa
Não chega perto
Do sonho mundano
De viver além d'um espelho plano.


II – Perfumes

Um dos meus maiores pontos fracos
É sentir um cheiro do passado.
Aquilo me transforma e modifica
Faz de mim fraco e paralisa
Não sei mais onde estou.

Momentos cotidianos banais
Caminhar pela rua
Passear por entre as pessoas
Existir mesmo sem querer.

Então vem aquela fragrância
De datas longínquas da minha história
Absorvendo-me todo meu presente
E minha relação com a realidade.

Sou puxado para determinado dia
Sou levado para algum momento
Sou confrontado com meus sentidos
Saio do meu corpo combalido
E viajo para o passado
Volto a ser criança
Dilacerado por uma viagem
Dimensional onírica balsâmica.

É muito esquisito.
É como se espaço e tempo
Simplesmente pulverizassem.
Eu sinto aquele cheiro
E não sinto mais meu corpo.
Volto para uma ocasião aleatória.
Em que aquele perfume me tocou.
E fico o sentindo.

Quero sorver aquele instante.
Sugar aquele segundo.
Consumir por completo aquela alma
Divina que me transporta
Para um lugar que não devia ter saído.


III – Hades

É insuportável viver sozinho.
É intragável ser humano
E estar junto de outros
Que temem ficar sozinhos
E ficam ao lado de outros
Por preenchimento existencial
Preenchimento de ego
Exaurimento de vivência.

Todos dizem que você precisa amar
Você deseja sentir precisar amar
Você sente que precisa amar
Mas isso não existe
Talvez o amor não exista
Você só precisa achar que ama
E precisa ser enganada que está sendo amada
Ou sua existência não tem sentido
E você não precisa mais viver.

Fim de história.
A invenção da necessidade de um amor
Falso, leviano e comprado no bar da esquina.
Você não quer amar
Só quer a sensação de amar
E que isso tudo é recíproco.
Se não amar não tem graça.
Você sofre, é uma coitada
Tudo é só dor e desgraça.

Todos no fundo desejam ser
O que não querem.
Desejam sentir
O que não podem.
Negando acreditar
Que a vida só foi feita
Pra morrer.


IV – Um dia

Eu serei tudo o que você precisa
Aquele que você irá desejar
E tornar como objeto de consumo.
Você vai me querer mais que o vinho
Ser minha e de mais ninguém
Ser abraçada e beijada como nunca foi.

Você vai planejar coisas
Idealizar momentos e momentos
Sorrir quando ninguém estiver sorrindo
Dormir com uma felicidade estranha
Acordar com o coração batendo forte
Sonhar com coisas profanas
E irá escrever coisas para mim.

E talvez você venha falar comigo
Falar desse amor
Falar de você
Falar de um possível nós.

E talvez eu apenas ria.
Ache tudo muito engraçado.
Pois nesse universo paralelo
Não exista alguém como eu
Que não tenha escrito nada
E não fique fazendo projeções
Tão imbecis quanto seus sonhos.

Um dia
Talvez.
Eu largue tudo.
Meus sonhos e vida.
E olhe para trás.
Só para ser mais um.
Talvez.
Um dia.


V – O peso do sol

Todos tentamos
Eu tento e não consigo.
Nós tentamos
Sabemos que é difícil.

O maior perigo ao se amar alguém
É se tornar responsável.
A vida se torna uma comédia romântica
Ou seria tragédia grega?
E o seu sistema solar
Gira em torno de não decepcionar.

Eclipses acontecem.
E você procura se achar em outro alguém.
É tudo uma questão corporal.
A necessidade de viver e ter prazer
Se encontrar mesmo estando perdido.

Você carrega diariamente o fardo
De ser alguém.
Mas como você pode ser alguém
Se você não sabe quem você é?

Você deixa essa pergunta pra depois
E continua a provocar o mundo
Com seu jeito irritante
Em constantes explosões plasmáticas.
Você está sempre expandindo.
Queimando sua vida a cada segundo que passa.
E o seu vazio fica cada vez maior.

Você e seu corpo.
Seu espírito e o peso de ser o sol
Que deseja brilhar
Enquanto tenta não explodir.